Egressa de Matemática da UFCA publica artigo, no campo da Etnomodelagem, em revista Qualis A1. Trabalho investigou padrões de rima em versos de cantadores repentistas

Publicado em 11/06/2024. Atualizado em 11/06/2024 às 17h40

Gilvan Grangeiro (esq.) e Cícero Oliveira (dir.), cantadores ouvidos durante a pesquisa "A Etnomodelagem nas Cantorias de Repente do Cariri Cearense". Montagem: arquivo pessoal

Um artigo realizado por uma egressa do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Cariri (UFCA) foi publicado no Boletim On-line de Educação Matemática (Bolema). Um dos principais periódicos do país na área de Ensino e de Educação, a publicação é classificada, pelo sistema Qualis-Periódicos, na categoria Qualis A1: a mais alta em termos de relevância e de impacto acadêmico.

O artigo, intitulado “A Etnomodelagem nas Cantorias de Repente do Cariri Cearense“, tem como primeira autora a egressa da UFCA Rosângela Alves. O trabalho teve como objetivo identificar conhecimentos (etno)matemáticos associados à cultura de cantadores repentistas do Cariri cearense, à luz da Etnomodelagem (ver “Etnomodelagem”). 

O trabalho de Rosângela Alves se dedicou a identificar padrões nas rimas de versos estruturados e difundidos pela cultura repentista, especificamente as construções nas modalidades “sextilha” (seis versos, cada um com sete sílabas poética), “mote 7” e “mote 10”. 

Conforme o trabalho, os chamados motes são estruturas da cultura do repente compostas por dez versos, rimados em pares. O mote 7 possui sete sílabas poéticas em cada verso e o mote 10, dez sílabas poéticas. O padrão de rima de ambos é o mesmo, nesta sequência: ABBAACCDDC. Cada letra representa um padrão de rima que finaliza cada um dos 10 versos. 

O artigo foi submetido à Bolema em julho de 2023, aceito em setembro do ano passado e finalmente publicado em 27 de maio deste ano.

Pesquisa da UFCA

A formação em Matemática da UFCA é oferecida pela Universidade no Instituto de Formação de Educadores (IFE/UFCA), no campus Brejo Santo.

Na pesquisa, que foi a mesma realizada para a conclusão do curso de Matemática, Rosângela foi orientada pelo professor Paulo Gonçalo Farias (IFE/UFCA) e coorientada pelo professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Wanderley de Oliveira. A equipe desenvolveu uma pesquisa semiestruturada (baseada em entrevistas flexíveis) com repentistas na cidade de Abaiara-CE, na região do Cariri.

De acordo com a hoje professora da área, a ideia de abordar o repente à luz da Matemática veio de uma inquietação pessoal: “Meu esposo é repentista há 10 anos e, acompanhando o trabalho dele, eu vi a necessidade de valorizar essa cultura do repente, que muitos não conhecem”, relata.

Além do marido de Rosângela, Cícero André de Oliveira, também foi ouvido na pesquisa o repentista Gilvan Grangeiro.

FA: n à n n → 1 + 6. n
FB: nà n n → 2+2. n
FC: n à n n → 3 + 6. n
FD: n à n n → 5 + 6. n

Representação matemática: sequência que retrata as posições de uma rima no repente, no etnomodelo sextilha. Reprodução: Bolema (2024).

Conforme o orientador do trabalho, professor Paulo Gonçalo, além de buscar valorizar e reconhecer saberes populares de repentistas do Cariri cearense, a pesquisa evidencia o desenvolvimento de conhecimentos complexos nas práticas socioculturais desse grupo social.

Rosângela, durante defesa de TCC para conclusão do curso de Matemática da UFCA, no campus Brejo Santo. Parte da banca avaliou o trabalho remotamente. À direita, Rosângela e seu orientador, professor Paulo Gonçalo (IFE/UFCA). Foto: arquivo pessoal

“Penso ter uma relevância imensa, tanto por mostrar que conseguimos realizar produções científicas de alto impacto em um campus do interior do país, quanto por evidenciar a qualidade da formação profissional que os nossos estudantes egressos podem atingir”, disse o docente.

Publicações Anteriores

Até 2022, cursar Matemática na UFCA só era possível a estudantes do antigo curso de Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais e Matemática (hoje, simplesmente Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais). 

Atualmente, o curso de Matemática é oferecido, todos os anos, de forma independente da LI, com ingresso direto via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Assim, por ter ingressado na UFCA antes dessa mudança, Rosângela é egressa também da LI. 

Rosângela (de preto, ao centro) e a família, durante defesa de TCC para o curso de Matemática, com a presença dos cantadores ouvidos na pesquisa (Cícero, com camisa vermelha, ao lado de Rosângela, e Gilvan, à direita). Foto: arquivo pessoal

A exemplo do que ocorreu, mais recentemente, na conclusão do curso de Matemática, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para a conclusão da LI – intitulado “Resolução de problemas como ferramenta para o estudo de Mínimo Múltiplo Comum (MMC)” – também rendeu uma publicação científica para Rosângela.

O texto foi adaptado e se tornou um capítulo do livro “Estudos de Ciências Naturais e Matemática: pesquisas de discentes do Instituto de Formação de Educadores”. A publicação, disponível na plataforma e-Books da UFCA, é uma realização do Grupo de Estudos de Ensino das Ciências da Natureza e Matemática (Geecim), vinculado ao IFE/UFCA.

O capítulo do e-Book foi realizado em parceria com o professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Wilter Freitas Ibiapina.

Acumulando portanto já duas publicações de maior relevo, apesar do pouco tempo de formada (2023), a professora egressa da UFCA revela a intenção de seguir na carreira acadêmica: “Para quem quer fazer mestrado e doutorado, é muito importante conseguir publicar mais e mais”, disse.

Etnomodelagem

Rosângela relata que os primeiros contatos com a Etnomatemática e a Etnomodelagem vieram na disciplina de “Metodologias Ativas”, do currículo do antigo curso de Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais e Matemática (LI). 

A Etnomodelagem vem da chamada “Etnomatemática”. O termo surgiu na década de 1970 como um contraponto ao ensino tradicional, universalizante e pretensamente estéril (apartado do contexto sociocultural e político) da Matemática – em sua versão mais difundida. 

Esse termo, Etnomatemática, foi usado pela primeira vez pelo matemático brasileiro Ubiratan D’Ambrósio (1932-2021). Na obra “Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade” (2006), D’Ambrosio a define como “a Matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos”.

Analogamente, “Etnomodelagem” é uma abordagem sociocultural da Modelagem – que, por sua vez, simplificadamente, busca explicar fenômenos e prever resultados por meio da identificação de padrões matemáticos em determinados eventos.

Serviço

Instituto de Formação de Educadores
ife@ufca.edu.br