Caririês Médico: estudantes criam glossário para facilitar a comunicação entre profissionais da saúde e pacientes da região
Publicado em 25/04/2025. Atualizado em 25/04/2025 às 16h07
Iniciativa transforma expressões regionais em ponte entre saberes populares e conhecimento médico, promovendo acolhimento e precisão nos atendimentos.
Por: Bárbara Letícia (Bolsista Procult/UFCA)

Criado a partir do desejo de unir conhecimento médico à riqueza linguística e cultural do Cariri, o projeto “ABC do Cariri – Caririês Médico” busca transformar regionalismos populares em uma ferramenta para melhorar o atendimento em saúde. A iniciativa, desenvolvida por estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri (FAMED), registrou mais de 600 vocábulos usados por moradores da região que, muitas vezes, têm sentidos diferentes na linguagem técnica da Medicina.
A ideia surgiu coletivamente entre os bolsistas do projeto diante da necessidade de facilitar a comunicação entre profissionais da saúde e pacientes do Cariri. Clarice Saraiva, estudante de Medicina e integrante da equipe, relembra o impacto da diversidade linguística:
A gente tem estudantes de todo o país e até de fora, como Cabo Verde e Honduras. Eu, que vim aqui de perto, já me senti perdida com algumas expressões. Imagina quem vem de bem mais longe? Pensamos em algo que fosse além do registro cultural, mas que realmente facilitasse a comunicação e ajudasse no diagnóstico médico.
Disponível gratuitamente na plataforma de e-books da UFCA, o material lista os termos em ordem alfabética e apresenta, para cada um, o significado, a separação silábica, a classe gramatical e exemplos de uso em frases.
Ouvir para entender
Ao todo, sete pessoas participaram do projeto: Emanuel Bruno Carioca, coordenador do projeto e professor do curso de Letras-Libras da UFCA; Emanuel Pontes, bolsista; Clarice Saraiva, Hiarlly Cortez e Lorena Araújo, que atuaram como voluntárias; além de Abiliane Costa e Ítalo Silva, colaboradores discentes. Foi essa equipe que, ao longo de meses de pesquisa de campo e estudo, deu forma ao glossário.
Para reunir os termos, eles percorreram diversos espaços da região, como a Praça da Sé, no Crato, o festejo do Pau da Bandeira em Barbalha e alguns ambulatórios. As palavras surgiram de conversas com moradores da região — desde que fossem, de fato, caririenses. “Se a pessoa era de fora ou estava apenas de passagem, a gente pulava. A ideia era registrar o que é próprio daqui”, explica Clarice.
Os critérios para seleção dos termos incluíram a informalidade da linguagem, a abrangência de uso na região e a relação com contextos de saúde — física, psíquica, emocional, social ou ambiental.
A saúde e a comunicação estão profundamente interligadas. A comunicação é uma forte arma terapêutica
Afirma Clarice.
Ela destaca ainda que muitos profissionais da saúde que atuam na região não são naturais do Cariri, o que pode causar ruídos e mal-entendidos nos atendimentos.
Entre os termos catalogados, chamam atenção expressões como “bacia” (para o quadril), “empanzinado” (sensação de estômago cheio), “fastio” (falta de apetite) e até “mocotó”, usado popularmente para se referir ao tornozelo.
O maior desafio, segundo os estudantes, foi traduzir essas expressões populares para a linguagem técnica sem perder o contexto e a precisão. Muitas palavras não têm equivalente direto na medicina, então é preciso sensibilidade para entender o que o paciente está dizendo e interpretar corretamente.
Reconhecimento e impacto
O material, em formato de e-book, teve repercussão local e chegou até a ser destaque na TV Verdes Mares. O projeto, embora ainda sem parcerias com unidades de saúde, já recebeu feedbacks positivos de profissionais e futuros pacientes.
Muitos disseram que se sentiram mais acolhidos, que se enxergavam naquele glossário. Teve gente que falou: ‘isso mostra que vocês vão ser ótimos médicos, porque se preocupam com o paciente
Conta Clarice.
Ao aproximar a medicina da cultura popular, o Caririês Médico mostra como a escuta e o respeito à linguagem local são formas de cuidado. Para a equipe do ABC, cada palavra colhida é também um gesto de empatia e um passo a mais na construção de uma medicina mais humana e acessível.
Apoio institucional
O projeto é vinculado à Pró-Reitoria de Cultura (PROCULT) da Universidade Federal do Cariri, que contribuiu com o suporte financeiro necessário para sua realização. Esse apoio foi fundamental para viabilizar as atividades de campo, a produção do material e a divulgação do glossário. A participação da PROCULT reforça a importância do investimento em iniciativas que dialogam com a cultura local e ampliam o acesso a práticas de cuidado mais sensíveis às realidades da região.
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