8M | Opinião: “encerram-nos em um lugar de subalternidade, de exceção”, diz professora sobre mulheres ocuparem espaços “de homens”
Com origem nas lutas organizadas de mulheres por direitos, o Dia Internacional da Mulher é um convite para uma reflexão coletiva sobre a liberdade das mulheres e, principalmente, para a ação de todas (e todos) em prol de um mundo antimachista. Pela ocasião do 8M, a professora do Instituto Interdisciplinar de Sociedade, Cultura e Artes da Universidade Federal do Cariri (IIsca/UFCA), Regiane Collares, opina sobre o lugar das mulheres na universidade e na sociedade.
Publicado em 08/03/2020. Atualizado em 08/11/2022 às 16h55
Pensar o lugar das mulheres na universidade, nas instituições, na política, no mundo do trabalho, no pensamento, na sociedade é uma questão recorrente dos movimentos feministas em sua luta por dignidade, respeito e, sobretudo, pela possibilidade de as mulheres se projetarem como sujeitos que desejam, agem e produzem. A essa luta se acompanha todo um deslocamento de posições e relações éticas em que pressupomos não sermos capturadas como objeto. Entretanto, ainda nos vemos aprisionadas por uma lógica sexista recorrente, contaminada por um olhar de exclusão, de incomodamento, que engendram atitudes que, apesar de generosas, simpáticas e politicamente corretas, encerram-nos em um lugar de subalternidade, de exceção a um contexto em que “o mundo é dos homens” e isso, de alguma forma, parece ainda ser pouco enfrentado no ambiente acadêmico.
Por exemplo, não é incomum encontrarmos destaques institucionais enfatizando o quão interessante são as mulheres que fazem pesquisa na universidade, o quão interessante é ver uma mulher filosofando ou até mesmo se matriculando ou ensinando em cursos em que a maioria dos alunos e professores é composta por homens, como se fosse algo inusitado, exótico, ou até mesmo imbuído de heroísmo, ver mulheres exercerem atividades que não estão simplesmente no repertório conservador de gênero.
Hoje as universidades estão repletas de discentes, docentes, servidoras públicas, mulheres que estudam, pesquisam, ministram aulas/palestras, trabalham, tocam suas vidas da forma que lhes convém ser melhor, defendem-se, exercem um papel político, decidem, questionam, e, óbvio, todos esses passos foram conquistas em um ambiente intelectual secularmente binário e machista, dado na tentativa de silenciamento das narrativas e das reflexões das mulheres.
Devemos também reconhecer que há muitas batalhas que precisam ser travadas e ainda outros espaços a se conquistar dentro e fora da universidade. No entanto, de forma mais transgressora, é preciso voltarmos um passo atrás das reivindicações apoiadas exclusivamente nas pautas de gênero e sexo, sem nos fincarmos em armaduras identitárias, sem nos armarmos com argumentos reativos e nos colocarmos irremediavelmente em condição de vítima de toda uma herança advinda do patriarcado.
Transgredir as identidades de gênero, desconstruir códigos de conduta, talvez, se dê como uma posição política importante nas instituições de ensino como um todo: que pesquisas e estudos, nossos e de nossas alunas, sejam divulgados não porque somos mulheres, mas porque formulamos incursões teóricas interessantes e profícuas e por isso queremos ser reconhecidas; que possamos tomar decisões na universidade, não por uma questão de representatividade da “mulher”, mas porque temos também sensibilidade e inteligência para a vida coletiva e de transformação educativa; que possamos cursar qualquer curso na universidade não porque somos mulheres, mas sim pelo reconhecimento de que somos amplas, atravessadas por inúmeras questões, percepções, olhares curiosos que nos lançam a experiências inauditas, a um alargamento das vivências, podendo assim arcar com a dor e a delícia de ser o que nos torna, além de mulheres, seres singulares.
Regiane Lorenzetti Collares
Professora e pesquisadora do Instituto Interdisciplinar de Sociedade, Cultura e Artes da UFCA