“A sociedade que desejamos é a sociedade do martírio feminino?”, questiona docente da UFCA em Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres
Publicado em 25/11/2021. Atualizado em 31/10/2022 às 16h19
Em 25 de novembro de 1960, Tereza, Mirabal-Patrícia e Minerva foram torturadas e assassinadas a mando do ditador da República Dominicana. As irmãs Mirabal lutavam contra a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo e faziam da Democracia sua bandeira. O crime brutal gerou forte comoção na sociedade dominicana e foi um marco para a queda da ditadura naquele país.
A Organização das Nações Unidas (ONU) designou oficialmente o 25 de Novembro como Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher como uma forma de homenagear as Las Hermanas Mirabal por serem símbolos de resistência popular e do feminismo.
Apesar de a historiografia apresentar a morte dessas corajosas mulheres como um evento marcante para o processo de construção da democracia dominicana, vale a pena problematizar esse evento sob outra perspectiva, não com a finalidade de apontar a direção para o nosso olhar, mas apenas mais um olhar para a violência histórica contra o feminino.
Comumente, o sacrifício encarado pelas mulheres é visto como uma forma de enaltecimento da coragem desses sujeitos, quase um heroísmo. Assim acontece no nosso Cariri, com a santificação de várias mulheres torturadas, violentadas em sua dignidade e assassinadas. Basta recordar a menina Benigna Cardoso da Silva (Santana do Cariri, 1941), Francisca Maria do Socorro (Milagres, 1943), Francisca Augusta da Silva (Aurora, 1958), Maria Caboré (Crato, 1920-30), Luzia Coelho (Barbalha, 1952), Rufina (Porteiras, XIX-XX) e Maria Filomena de Lacerda (Mauriti,1975). Essas mulheres passaram a ser enaltecidas como santas após suas mortes trágicas, são vistas como heroínas, exemplos de conduta por muitos de nós. É preciso que uma indagação seja feita: a sociedade que desejamos é a sociedade do martírio feminino?
No último mês de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente decidiu pela inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra na justiça brasileira, por meio da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 779. Desde a alteração do Código Penal, em 1940, fomos testemunhas de decisões absolutórias que tinham como argumento de defesa (em larga ou em estrita medida) a legitimidade do marido/companheiro em defender a própria honra, por meio do assassinato de suas companheiras. A despeito do desgaste doutrinário dessa tese, não havia uma postura institucional definitiva a esse respeito. Essa tardia decisão apenas vem demonstrar como as instituições são permissivas com a violência de gênero.
Diante desse cenário e do cotidiano de violência estrutural que nos cerca, espero que possamos neste dia, em que comemoramos o Dia internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, refletir sobre nosso papel individual na luta contra a violência de todas espécies, tendo o gênero como marcador social.
Precisamos criar políticas institucionais de inclusão do feminino nas esferas de decisão. Nossos órgãos devem ser mais plurais. Nosso fazer deve ter como foco os Direitos Humanos. Nossos argumentos necessitam abarcar a busca por uma comunidade mais democrática, justa, inclusiva e segura, em que o martírio da violência de gênero seja lembrado para que não seja enaltecido.
Polliana de Luna Nunes Barreto é professora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFCA