Abandono de animais preocupa em meio à pandemia
Publicado em 25/03/2020. Atualizado em 08/11/2022 às 16h56
“Os coronavírus pertencem à família Coronaviridae. Os alfa e beta coronavírus geralmente infectam mamíferos, enquanto os gama e delta atingem pássaros e peixes. O coronavírus canino, que pode causar diarreia leve, e o coronavírus felino, que pode causar peritonite infecciosa felina (PIF), são ambos alfa-coronavírus. Esses coronavírus não estão associados ao atual surto de coronavírus”, é o que diz a Global Veterinary Community (WSAVA)- a Associação Mundial de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais – em documento informativo (link para uma nova página) atualizado no último dia 7 de março.
Mesmo assim, conforme denúncia de diversas entidades de proteção animal e de profissionais veterinários, a pandemia do novo coronavírus tem levado muitas pessoas a abandonarem, à própria sorte, os seus PETs (termo possivelmente surgido no século 14, de origem britânica, que significa algo próximo a “animal preferido”), temendo infecções. Uma publicação do periódico espanhol El País (link para uma nova página), do último dia 17, coloca também os animais de companhia entre as vítimas da pandemia do Covid-19; não pela doença em si, mas pelo medo que ela desperta na população, levando ao aumento dos casos de abandono.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE – link para uma nova página), não há, até o momento, nenhuma evidência de que animais de estimação possam ser uma fonte de infecção de Covid-19 para pessoas: “Não existem relatos da transmissão direta do Covid-19 entre os animais e o homem”, afirma a coordenadora do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Maria do Socorro Vieira Maria. A médica veterinária complementa: “Até o momento, [também] não existem evidências de quadros clínicos de animais infectados com o Covid-19. Ressalta-se que as autoridades sanitárias estão monitorando pesquisas sobre a relação do novo coronavírus com os animais de estimação”.
De acordo com números levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, havia no Brasil 54,2 milhões de cães; 39,8 milhões de aves; 23,9 milhões de gatos; 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de répteis e pequenos mamíferos, totalizando cerca de 140 milhões de animais de estimação, apenas em residências brasileiras.
Abandonar animais é crime ambiental previsto no Art. 32 da Lei 9.605/98 (link para uma nova página), passível de pena que pode ir de três meses a um ano de detenção e multa (aumentada em um sexto a um terço, se houver morte do animal). Um projeto de Extensão da UFCA, o UFCão (link para uma nova página), criado em 2018, atua para conscientizar a população local sobre os problemas do abandono e também para tentar oferecer dignidade a animais abandonados, com apoio de outras entidades de proteção animal.
Questão de Saúde Pública
O abandono é também uma questão de saúde pública, considerando que muitos animais domésticos vagam pelas ruas sem controle sanitário, podendo contrair e transmitir diversas doenças: “Neste contexto, pode-se destacar quadros de Leishmaniose Visceral, popularmente conhecida como Calazar, que afeta os cães e o humano com elevado quadro de morbidade. Além disso, existem outras enfermidades bacterianas e virais nas quais os animais domésticos atuam como vetores, podendo transmitir o agente etiológico sem, no entanto, apresentar sintomatologia. Pode-se afirmar que o abandono de animais é um problema do que conhecemos por ‘saúde única’, pois envolve a interação homem-animal-meio ambiente”, afirma Maria do Socorro.
Conforme o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o conceito de “saúde única” surgiu para traduzir a união indissociável entre a saúde animal, humana e ambiental. Ainda de acordo com a entidade, um dos reflexos dessa visão foi a integração dos medicos veterinários, em 2011, ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), o que fez com que eles passassem a atuar na atenção básica à saúde nos municípios brasileiros, ao lado de outros profissionais de saúde.
Não há vacina contra SARS-Cov-2
Outra polêmica em torno da possível relação entre o novo coronavírus e os animais domésticos diz respeito a uma suposta vacina contra Covid-19. As vacinas comerciais disponíveis em alguns mercados globais combatem os coronavírus que provocam infecções do trato intestinal de cães e gatos, não havendo nenhuma evidência de que também sejam eficazes contra SARS-Cov-2 (o nome científico dado ao vírus que causa Covid-19), que atinge o sistema respiratório de humanos: “Essas vacinas não são licenciadas para proteção contra infecções respiratórias. Os veterinários não devem usar essas vacinas diante do surto atual, pensando que pode haver alguma forma de proteção cruzada contra o SARS-Cov-2. Não há absolutamente nenhuma evidência de que a aplicação, em cães, das vacinas comerciais disponíveis forneça proteção cruzada contra a infecção pelo SARS-Cov-2, uma vez que os vírus entéricos e respiratórios são variantes distintas do coronavírus”, diz o documento da WSAVA.
Cuidados com os PETs
Apesar de as evidências científicas, até aqui, descartarem transmissão de Covid-19 de animais para seres humanos, é preciso tomar alguns cuidados com os PETs em tempos de pandemia, tanto para evitar a transmissão de doenças que comprovadamente podem ser transmitidas pelos animais aos humanos (o que pode exigir ainda mais do sistema de saúde pública), quanto para evitar a transmissão de Covid-19 por contato, similar ao que também ocorre com objetos. Com isso, tossir ou espirrar próximo ao animais domésticos pode alojar micro-organismos no corpo deles: “Sempre deve existir um cuidado especial com os animais de estimação, principalmente cães e gatos, com o intuito de evitar a transmissão de agentes bacterianos, virais e protozoários que podem ocasionar doenças nos seres humanos. Desta forma, aconselha-se destinar aos animais uma área restrita da casa, sempre lavar as mãos depois de ter contato com eles e, principalmente, manter uma rotina de limpeza e desinfecção nos locais de criação”, recomenda a professora da UFCA.
Ao passo que os animais podem resguardar resquícios virais no corpo, também é possível que o contato com os PETs agrave problemas respiratórios em pacientes com síndrome gripal: “se os donos apresentarem quadros respiratórios, principalmente crianças e idosos, o contato com a pele, pelos ou secreções dos animais pode ocasionar o agravamento dos sintomas. Desta forma, os animais de estimação devem ser vacinados, vermifugados e mantidos sempre em locais limpos e arejados”, diz Maria do Socorro.
Serviço
Comitê Interno de Enfrentamento ao Covid-19 (Cieco-19/UFCA)
cieco19@ufca.edu.br