Com tese sobre estudos da sintaxe da Libras, docente do curso de Letras/Libras da UFCA é primeira pessoa surda a se tornar doutora na região do Cariri

Publicado em 13/09/2023. Atualizado em 13/09/2023 às 19h28

Miriam Royer, primeira doutora surda na região do Cariri cearense. Foto: Davi Moreira - Dcom/UFCA

Nesta quarta-feira, 13 de setembro de 2023, a professora do curso de Letras/Libras da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Miriam Royer, se tornou a primeira pessoa surda na região do Cariri a ter o título de doutora. Ela defendeu sua tese, com pesquisa na área de sintaxe, morfologia e semântica da Língua Brasileira de Sinais (Libras), pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGLin/UFSC).

A defesa foi realizada no campus Juazeiro do Norte da UFCA e contou com a participação dos professores Jair Barbosa da Silva, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal); Liona Paulus, da Universität Köln (Alemanha); Carlos Roberto Ludwig, da Universidade Federal do Tocantins (UFT); Charley Pereira Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e Aline Lemos Pizzio, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – que participaram, de modo virtual, da banca examinadora do trabalho.

Miriam Royer é graduada em Letras/Libras pela UFSC, possui mestrado na área de Linguística pelo PPGLin/UFSC e atua como servidora docente no Instituto Interdisciplinar de Sociedade, Cultura e Artes (IIsca/UFCA) desde 2022.

Miriam foi orientada pela professora doutora Ronice Muller de Quadros, que atua em estudos relacionados às línguas de sinais há mais de 20 anos, e coorientada pela professora doutora Diná Souza Silva (Universidade Estadual do Ceará). Como orientadora da tese, Ronice explica que, em termos de estudos linguísticos, o trabalho desenvolvido por Miriam tem impacto direto no fortalecimento de outras pesquisas com uso de dados da Libras. 

“Por ela ser uma pesquisadora surda notável, ela acaba tendo uma contribuição muito importante para os estudos linguísticos da Libras no Brasil e no mundo, porque ela passa a ter uma representação internacional como pesquisadora de Libras em função da qualidade do trabalho que desenvolve”, destacou. 

A professora Miriam explica que, em relação à docência, está em busca de novas experiências e adquirindo diversos conhecimentos – o que também a motivou a pesquisar sobre essa temática. 

Durante o processo de construção da tese, no entanto, a professora afirma ter encontrado algumas dificuldades: “[Tive] algumas dificuldades, pois minha segunda língua é o português. Estou aprendendo e melhorando a cada dia. Essa área de sintaxe é um grande desafio, pois há poucos pesquisadores nela”, ressaltou. 

Mais sobre a pesquisa

Assim como na Língua Portuguesa, a Libras também se organiza por meio de uma estrutura gramatical própria. Para formular frases, entretanto, pessoas que usam a Libras como primeira língua não fazem, necessariamente, uso da mesma lógica que falantes nativos de Português. De modo geral, enquanto as línguas faladas são orais-auditivas, as línguas de sinais se estruturam de maneira visuo-espacial. Por essa razão, é importante destacar que a Libras não deve ser entendida como representação direta da Língua Portuguesa. 

Tendo em vista as referidas diferenças entre as duas línguas, a tese de Miriam, intitulada “Estrutura oracional e transitividades da Libras”, concentrou-se em descrever a transitividade dos verbos na língua de sinais brasileira e na ordem sintática das palavras em sentenças sinalizadas por surdos da região metropolitana de Florianópolis. 

A professora Miriam também traz no corpo de seu trabalho exemplos da construção frasal em Libras, destacando na Libras a transitividade de verbos como “Ler”, “Ir” e “Ver”, além de explicar que a tese buscou apresentar a existência de construções frasais mais simples no dia a dia dos surdos que participaram da pesquisa.

Na construção frasal da Língua Portuguesa, Sujeito-Verbo-Objeto (SVO) é a forma mais comumente aceita pela gramática normativa – a chamada “ordem direta”. No caso da Libras, como a pesquisa da professora Miriam evidencia, a posição dos termos dentro de uma determinada frase pode variar ou até mesmo serem omitidos, considerando a transitividade dos verbos na Libras. 

Ferramentas de auxílio na produção da pesquisa

A partir do referencial inicial de 35 surdos, a professora Miriam utilizou importantes bases de dados e ferramentas no âmbito dos estudos da Libras que a auxiliaram durante o desenvolvimento de sua tese. O Inventário Nacional de Libras, o Corpus de Libras e o Sistema Eudico Annotator (Elan) foram os destaques.

O projeto “Inventário Nacional de Libras” faz parte da Política da Diversidade Linguística, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Trata-se de um instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das diferentes línguas formadoras da sociedade brasileira. Esse projeto funciona como um repositório de vídeos e arquivos de transcrição e anotações sobre línguas existentes no país. Durante sua formação acadêmica, Miriam foi bolsista do projeto.

Em paralelo ao uso do inventário, a pesquisa também fez uso do manual de transcrição desenvolvido e disponibilizado por pesquisadores no Corpus de Libras – espaço que reúne um conjunto de produções e projetos de pesquisa em Libras, com variações linguísticas e culturais, de forma gratuita. O Corpus de Libras está sob domínio da UFSC. 

Os vídeos em Libras analisados na pesquisa foram transcritos com auxílio do Sistema Eudico Annotator (Elan) – ferramenta gratuita de transcrição criada para, dentre outras aplicações, fazer anotações textuais a partir de áudios e vídeos.

Próxima doutora

Embora a professora Miriam Royer tenha sido a primeira pessoa surda no Cariri cearense a ter o título de doutora, ela ressalta que não é natural da região. Nascida no Paraná, ela sabe da importância de sua conquista para a região cearense, mas destaca os estudos de sua colega de trabalho, Gisele Garcia.

Gisele Garcia será a próxima docente surda do curso de Letras/Libras da UFCA a se tornar doutora na região.

Natural de Juazeiro do Norte, Gisele é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba. Em sua tese, ela está pesquisando as produções visuais que retratam realidades culturais singulares na literatura surda e na literatura Coda – que representa a comunidade que foi criada por um ou dois pais surdos. 

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