Docente da UFCA será primeira pessoa surda nascida no Cariri a obter um doutorado. Tese é defendida em abril: mês de luta pela inclusão de surdos

Publicado em 23/04/2024. Atualizado em 26/04/2024 às 10h06

Gisele Pereira Gama Garcia, docente do curso de Letras-Libras da UFCA. Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população surda no Brasil corresponde a 10 milhões de pessoas – ou 5% do total de brasileiros. Em abril, a comunidade surda no país celebra duas importantes datas: o Dia Nacional da Educação para Surdos (23) e o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (24).   

Para a região do Cariri cearense, o mês de abril também será lembrado por um momento histórico no fortalecimento da inclusão da comunidade surda no cenário educacional. Na próxima terça-feira, 30 de abril, a professora do curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Gisele Pereira Gama Garcia, vai se tornar a primeira pessoa surda, natural do Cariri, a obter o título de doutora. 

A pesquisa de Gisele, sobre produções visuais literárias nas comunidades Surda e Coda [ver Comunidade Coda], será defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (PPGL/UFPB). A defesa será realizada, de forma remota, diretamente do campus Juazeiro do Norte da UFCA, no bloco M, sala M03, a partir das 14h. 

Nascida na cidade de Juazeiro do Norte, Gisele Gama leciona na UFCA desde 2017. Ela é graduada em Letras pela UFPB, mestra em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Rural do Semi-Árido (Ufersa) e, na docência, traz consigo experiências na área de Literatura, no Ensino da Libras como primeira língua e do Português como segunda língua.

Gisele durante colação de grau da primeira turma do curso de Letras-Libras a se formar na UFCA. A cerimônia foi realizada em 23 de novembro de 2023, no campus Juazeiro do Norte. Foto: Davi Moreira – Dcom/UFCA

Ela ingressou no doutorado em 2021 e sua tese, inédita no Brasil, evidencia, por meio de produções visuais, realidades culturais específicas presentes nas literaturas infantis das comunidades surda e Coda – importantes perspectivas para promover a inclusão educacional dos surdos.      

Segundo Gisele, a ideia para a pesquisa surgiu de sua experiência como mãe de duas crianças Codas, além de sua convivência com outras mães que fazem parte da mesma comunidade. 

Comunidade Coda

Originário da língua inglesa, Coda é um acrônimo para o termo Child of Deaf Adults – que, em tradução livre para a língua portuguesa, pode ser entendido como “filhos de pais surdos”. A comunidade Coda, de forma mais direta, é composta por pessoas ouvintes, filhos e filhas de pai ou mãe surdos – ou até mesmo ambos.

A banca examinadora da tese de Gisele será composta por docentes de diferentes instituições. Representando a UFCA na banca, o professor Lucas Romário da Silva será o único integrante que participará presencialmente da avaliação. 

Também vão participar da banca, de forma remota, as professoras Janaína Aguiar Peixoto, Ana Cristina Silva Daxemberge, Carolina Silva Resende e Ednéia de Oliveira Alves (todas da UFPB), a docente Rachel Louise Sutton-Spence, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o professor Pedro Luiz dos Santos Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Conforme Janaína Peixoto, que foi orientadora de Gisele no doutorado, o trabalho de sua orientanda apresenta uma investigação extremamente relevante para os estudos literários da comunidade surda, área ainda pouco explorada dentro dos estudos surdos: “Orientá-la foi uma honra e um prazer. Ela possui uma maturidade acadêmica e uma aptidão como pesquisadora admiráveis, além de ser muito criativa. Todas essas qualidades permitiram que nosso trabalho em conjunto fluísse com muita tranquilidade e eficiência”, destacou.

KODINHAS? Sim! Sim! Sim!

Além de destacar aspectos da literatura infantil, a pesquisa de Gisele buscou analisar a reação de crianças caririenses da comunidade Koda/Coda ao lerem o livro “KODINHAS? Sim! Sim! Sim!”. Esse é o primeiro conteúdo infantil que retrata a comunidade Coda no país. 

O livro, lançado este ano, foi escrito por Gisele e é resultado de seus anos de investigações para produção da tese. Em seu perfil oficial no Instagram, a pesquisadora dá mais informações sobre como ter acesso ao livro.

O livro “KODINHAS? Sim! Sim! Sim!”, lançado por Gisele, é resultado de sua tese de doutorado. Foto: Reprodução/Divulgação

No caso do desenvolvimento da tese, Gisele conta que a realização do trabalho foi “desafiante” por conta, em grande parte, da falta de referencial teórico: “A construção da pesquisa foi desafiante por ser uma pesquisa inédita; não dispondo  de referências que tratassem sobre a literatura dessas crianças”, enfatizou.  

No meio acadêmico, o que Gisele desenvolveu pode ser entendido como uma  “pesquisa participante”. Esse tipo de investigação ocorre quando as análises de um determinado trabalho, como monografias, dissertações, teses ou até mesmo artigos científicos, são caracterizados pelo envolvimento e pela identificação de quem pesquisa com o que está sendo pesquisado. 

“No seu lugar de fala, como Surda e mãe de codas, esta pesquisadora participante inova propondo uma categoria diferente de literatura produzida na comunidade surda, a literatura koda/coda, e defende também, de forma inédita, o uso do termo ‘Koda’. Tudo muito bem fundamentado teoricamente e com reflexões e discussões valiosíssimas que contribuem de forma significante para este campo de estudo”, afirma a professora Janaína.

Resultados

Segundo Gisele, sua pesquisa incentiva que pais, mães, professores e demais agentes da sociedade civil entendam a importância de estimular a leitura de obras literárias por crianças, principalmente histórias com representatividade Koda/Coda: “[Também] é importante ter obras acessíveis para essas crianças bilíngues ou para aquelas que têm a Libras como sua primeira língua”, ressaltou. 

Os resultados encontrados por Gisele durante esses anos de investigação demonstram a relevância de analisar obras literárias específicas para comunidade da qual faz parte. Para ela, é essencial que crianças codas encontrem essa literatura adaptada, pois nem todos sabem a Libras e/ou Português.   

“Espero que a comunidade surda comece a valorizar mais as crianças Kodas a produzirem muitas obras literárias maravilhosas e ricas, para que as ajudem a ter consciência da importância da Literatura na vida delas e não somente nas das crianças surdas”, finaliza. 

Serviço

Curso de Letras/Libras
letraslibras.iisca@ufca.edu.br