Não é só “coisa de criança”: docente da UFCA alerta para a necessidade de sensibilizar adultos para vacinação contra doenças além da covid-19

Publicado em 07/12/2021. Atualizado em 31/10/2022 às 16h28

Foto: Arquivo Agência Brasil

Ao evidenciar o impacto de uma doença de alta transmissibilidade em todos os aspectos da vida cotidiana (apesar de não ter sido a primeira experiência humana nesse sentido), a pandemia de covid-19 aumentou a preocupação da população adulta brasileira com os programas de imunização. Agora, o objetivo dos profissionais de saúde é que essa preocupação se estenda às demais doenças – e que ela continue ao longo do tempo.

Isso porque as taxas de imunização começaram a cair por volta de 2015 em crianças (ver gráfico) e também em idosos, o que evidencia a probabilidade alta de que, em adultos, a cobertura vacinal seja ainda menor: “Adulto acha que vacina é coisa de criança. Depois que passa aquele período [cumprimento do calendário vacinal na infância], ele acha que está garantido pelo resto da vida”, explica a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri (Famed/UFCA), Maria Auxiliadora Brito, que também demonstra preocupação com a queda da imunização infantil: “Se a pessoa não toma [vacina] quando criança, provavelmente não vai tomar quando adulta, ficando  vulnerável”, conclui.

Além da falsa crença de que vacina é coisa dos tempos de infância, outras questões levam pessoas adultas a não priorizarem a própria vacinação, como a falsa sensação de erradicação de doenças imunopreveníveis, medo de reações pós-vacinais, publicações com potencial desincentivador de vacinação e notícias falsas sobre o tema em circulação nas mídias digitais. A docente da UFCA frisa que, como esses fatores não ocorrem apenas no Brasil, a queda da cobertura vacinal, principalmente na faixa etária pediátrica, vem acontecendo em todo mundo.

Tuberculose ainda não acabou, mesmo com vacina disponível há décadas

Sobre doenças imunopreveníveis, por exemplo, a tuberculose ainda preocupa todo o planeta, mesmo já existindo vacina para a sua prevenção desde o início dos anos 1920. Estima-se que, em 2019, cerca de 10 milhões de pessoas no mundo tenham desenvolvido tuberculose e, destas, 1,2 milhão tenham morrido, por complicações da enfermidade. Em 2020, foram 1,5 milhão de vítimas da doença. Só no Brasil, são notificados cerca de 70 mil casos de tuberculose, por ano: “Essa vacina contra a tuberculose não impede a forma pulmonar da doença: ela impede as formas graves, como a meningite tuberculosa”, explica professora Auxiliadora.

O fato de que há muitas vacinas que não chegam a impedir o desenvolvimento da enfermidade para a qual foram respectivamente desenvolvidas acende o alerta para a necessidade de atenção contínua a doenças facilmente transmissíveis, como a poliomielite, o sarampo, a catapora, a caxumba e a rubéola. De acordo com o Ministério da Saúde, “a partir dos 20 anos, é preciso se vacinar, ao menos, contra sarampo, caxumba, rubéola, hepatite B, febre amarela, difteria e tétano: “Por isso, é preciso sensibilizar o adulto para procurar o seu cartão de vacinação e, na sequência, os serviços de saúde necessários”, destaca a docente da UFCA.

Professora Maria Auxiliadora Brito. Foto: Arquivo Pessoal.

Onde está o seu cartão de vacinação?

É neste ponto que a maioria dos adultos brasileiros pode ter problemas. O registro digital de aplicação de imunizantes, no serviço público brasileiro, é recente. Antes, esses registros eram feitos em cadernetas de papel e, além disso, os postos de saúde responsáveis pela aplicação não eram obrigados a guardar essas informações. “Atualmente, nem todo posto de saúde registra eletronicamente as vacinas. “As empresas de vacinação privadas já fazem registro eletrônico há muito tempo”, ressalta Auxiliadora.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quem não souber onde está sua caderneta de vacinação pode solicitar ao posto de saúde onde recebeu uma vacina a segunda via do registro da aplicação. Como há várias vacinas previstas no Programa Nacional de Imunizações (PNI – link para uma nova página), no entanto, essa tarefa pode não ser tão simples, pelo fato de que possivelmente os imunizantes não foram aplicados, em cada cidadão/ã, no mesmo posto de saúde – e muitos dos cidadãos brasileiros sequer chegaram receberam essas vacinas.

Por esse motivo, no Brasil, é possível se vacinar mais vezes que o total recomendado para cada imunizante oferecido em alguns casos, o que torna viável a atualização do esquema vacinal de adultos com cartões de vacinação extraviados. No entanto, é recomendável procurar um profissional de saúde, antes da aplicação, para avaliar os riscos envolvidos, visto que há imunizantes, como a vacina contra tétano, que podem causar eventos adversos se administrados com intervalos menores que os recomendados.

Conecte SUS

Antes mesmo da pandemia de covid-19, no fim de 2019, o Ministério da Saúde lançou o Conecte SUS (link para uma nova página): uma iniciativa federal com o objetivo de integrar as informações de saúde do/a cidadão/ã em uma grande rede de dados, fazendo com que os profissionais de saúde tenham mais eficiência no atendimento à população e permitindo a continuidade do cuidado de cada paciente.

Hoje, o Conecte SUS está servindo, principalmente, como um cartão digital de vacinação, guardando o histórico vacinal do/a cidadão/ã. Isso certamente será útil para os brasileiros acompanharem o cumprimento do próprio esquema vacinal. No entanto, o histórico presente no Conecte SUS só mostra as doses aplicadas em período posterior à criação da ferramenta: “A pandemia da covid-19 trouxe isso de positivo. A ideia é que você tenha uma caderneta nacional de vacinação e deixar a aplicação da vacinas registrada, para que você possa demonstrar quais vacinas já recebeu em todo o território nacional”, diz professora Auxiliadora.

Primeira vacina desenvolvida no mundo combateu a varíola

A primeira vacina desenvolvida no mundo, ainda no século 18, contribuiu para a erradicação da varíola, mais de um século depois. Em 1980, a OMS reconheceu a erradicação da enfermidade, que pode ter vitimado entre 300 milhões a 500 milhões de pessoas ao longo do século 20.

Médico Edward Jenner (1749 – 1823) aplica vacina contra a varíola em menino, no século 18. Ao notar que pessoas que ordenhavam vacas não contraíam varíola, uma das doenças mais temidas da época, o médico extraiu o pus da mão de uma ordenhadora que havia contraído a varíola bovina e o inoculou em um menino saudável, James Phipps, de oito anos, em 4 de maio de 1796. O menino contraiu a doença de forma branda e, em seguida, ficou curado.

No Brasil, o programa de imunização da varíola teve início nos anos 1830, quando a vacina contra a doença foi declarada obrigatória para crianças. Para adultos, a obrigatoriedade viria na década seguinte, mas, em ambos os casos, essas determinações não eram cumpridas, em razão de a produção industrial de vacina, no Rio de Janeiro (então capital do país), só ter começado em 1884 – o que tornava a oferta do imunizante escassa no país até então. Com o aumento de casos e mortes por varíola, o médico Oswaldo Cruz (1872-1917) propôs efetivar a obrigatoriedade da vacina, articulando um projeto de lei para que apenas indivíduos comprovadamente vacinados conseguissem contratos de trabalho, matrículas em escolas, certidões de casamento, autorização para viagens, entre outros acessos de cidadania.

Isso gerou a chamada “Revolta da Vacina” (link para uma nova página), no ano de 1904. A Revolta foi um intenso conflito entre as autoridades governamentais e a população contrária à obrigatoriedade de vacinação, o que culminou na queda dessa obrigatoriedade (o projeto de lei chegou a ser aprovado). Anos mais tarde, no entanto, quando o Rio de Janeiro viu o número de casos e de mortes por varíola disparar, em 1908, a procura espontânea para obtenção da vacina contra varíola aumentou significativamente.

Desde então, o Brasil lançou vários programas de imunização (poliomielite, meningite, febre amarela, sarampo etc.), obtendo pleno êxito apenas contra a varíola e bons resultados com as demais. O PNI foi criado em 18 de setembro de 1973, disponibilizando gratuitamente, à toda população brasileira, vacinas estratégicas, em um país com dimensões continentais, mesmo em locais de difícil acesso. Na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS), o PNI brasileiro é citado como referência mundial.

“O PNI é importante porque uma doença só é erradicada se houver homogeneidade de vacinação. Não adianta um município ser referência na imunização de determinada doença se a cidade vizinha não estiver vacinando para a mesma doença. Negligenciar o cuidado com a aplicação das vacinas está fazendo com que doenças praticamente erradicadas voltem a ocorrer, como o sarampo”, afirma Auxiliadora.

Segundo a OMS, a descontinuidade (mesmo que por breves períodos) da vacinação aumenta o número de indivíduos suscetíveis a doenças imunopreveníveis e a probabilidade de ocorrerem surtos de doenças evitáveis por vacinas. As consequências são o crescimento da morbidade (taxa de portadores de determinada doença em relação à população total) e da mortalidade – em especial em lactentes (ser que ainda mama ou criança até o fim da primeira dentição, até 24 meses) e em outros grupos vulneráveis –, além da sobrecarga dos sistemas de saúde.

“Custos” da Vacinação

De acordo com o Tesouro Nacional, o Brasil precisou investir R$ 524,02 bilhões (link para uma nova página) em ações de enfrentamento da pandemia de covid-19, no ano de 2020. Entre essas ações, estão o Auxílio Emergêncial (R$ 293,11 bilhões), o Auxílio Financeiro a Estados, Municípios e Distrito Federal (R$ 78,25 bilhões), despesas adicionas do Ministério da Saúde e demais ministérios (R$ 42,70 bilhões) e cotas dos fundos garantidores de operações e de crédito (R$ 58,09 bilhões). A aquisição de vacinas e de insumos para prevenção e controle da pandemia custou “apenas” R$ 2,22 bilhões do montante de 2020 – ou 0,42% do total investido nas ações de enfrentamento.

Em 2021, o valor investido na aquisição de vacinas e insumos subiu para R$ 16,21 bilhões, ao passo que o total investido em ações de enfrentamento caiu para R$ 109,3 bilhões. Assim, o valor aplicado em vacinas e insumos para prevenção representou 14,83% do total investido nas ações brasileiras de enfrentamento, em 2021.

Analisar quanto custa vacinar uma população contra determinada doença passa também por analisar os custos de não vacinar. Pesquisadores na Johns Hopkins University, em Baltimore (Maryland, EUA), analisaram dados de vacinação de 94 países de baixa e média renda, usando taxas vacinais projetadas de 2011 a 2020. O curso total dos programas de imunização nesses países foi estimado em U$S 34 bilhões.

Os pesquisadores consideraram, primeiro, os custos evitáveis por 10 doenças preveníveis – custos estes relacionados, por exemplo, a tratamento de pessoas doentes, a pagamento de cuidadores, à perda de produtividade nos diversos setores da economia e a custos com transporte. Em um segundo momento, foram comparados os benefícios econômicos e sociais mais amplos de promover vacinação.

Na comparação, os pesquisadores concluíram que seriam economizados U$S 586 bilhões em custos com as doenças consideradas, caso elas fossem evitadas por meio de vacinação: um retorno de U$S 16 para cada dólar investido em vacinas. Isso sem contar as perdas humanas para doenças evitáveis, o que não se pode mensurar em termos financeiros.

No Brasil, até 24 de novembro de 2021, mais de 613 mil pessoas já haviam morrido em consequência da covid-19. Com o avanço da vacinação no país, o número de casos e de mortes relacionadas à doença (o número de mortes chegou a superar 4 mil óbitos registrados em um mesmo dia, em abril de 2021) vem desacelerando progressivamente, chegando a menos de 200 registros diários de mortes, em novembro.


*Com informações do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), do Tesouro Nacional, da Fundação Oswaldo Cruz, da Fapesp, do Uol e da CNN Brasil

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