Palestra de abertura do VI EDUCAMUS refletiu sobre a diversidade musical brasileira
Publicado em 07/06/2018. Atualizado em 31/10/2022 às 11h16
O VI Encontro de Educação Musical do Cariri – EDUCAMUS 2018 e o I Simpósio de Etnomusicologia do Cariri (SIMECA) tiveram início na última terça, 5 de junho, na Universidade Federal do Cariri, campus Juazeiro do Norte. O tema dos eventos este ano é “Educação Musical e Etnomusicologia: caminhos epistemológicos, desafios para a interdisciplinaridade”. A Orquestra Sinfônica da UFCA fez a abertura Auditório Beata Maria de Araújo, e sua apresentação foi seguida pela primeira conferência do dia.
Com tema Educação Musical e Etnomusicologia: Encontros e Parcerias em Torno da Diversidade Cultural Brasileira, a professora doutora Angela Elisabeth Lühning, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), iniciou sua fala lembrando da importância que se tem dado à diversidade e aos saberes tradicionais, que hoje são pautas de discussões públicas e internacionais. “Perante o atual cenário sociocultural e conceitual, é necessário refletir sobre algumas incongruências no trabalho com o estudo de música, seja nas escolas e universidades; seja em outros contextos, que nos exigem um cuidado constante nos conceitos que empregamos, nas formas de ensinar, nos argumentos e nas informações que passamos” afirmou.
A professora conta que tanto a educação musical e a etnomusicologia, enquanto áreas do conhecimento, quanto quase todas as ciências ensinadas nas universidades são fruto da concepção ocidental do conhecimento. “Muitas vezes, esses conhecimentos são vistos como universais e absolutos, seja no conteúdo ou na forma de abordá-los. Seria possível ressignificá-los? Devemos lembrar que todos os valores são construídos culturalmente ao longo do tempo, e tem se tornado cada vez mais importante desenvolver uma escuta atenta em relação ao mundo que nos cerca, tentar despir-se de ideias preconcebidas e convenções rápidas ou superficiais”, reflete.
Angela explicou ainda que a educação musical é focada no ensino da música no contexto escolar, e que a etnomusicologia é focada na pesquisa e observação musical, ambas tendo, inicialmente, uma visão eurocêntrica. Após mostrar alguns exemplos de músicas tradicionais da região nordeste, como o aboio, representado pelos Canarinhos do Maranhão, irmãos de 9 e 12 anos; alguns trechos do documentário Os Caminhos da Vaquejada; uma apresentação dos Irmãos Aniceto; e canções do grupo Cia. Cabelo de Maria e das Destiladeiras de Fumo de Arapiraca, a professora trouxe uma reflexão sobre os desafios brasileiros, e questionou se existiriam percepções diferentes e múltiplas sobre aquilo que seria música na cultura brasileira. Para ela, os contextos histórico, geográfico, cultural e social têm forte influência nas respostas desse questionamento.
“Além de caraterísticas modais, esses exemplos trazem outra coisa muito importante, que é o intervalo da terça neutra. Esse intervalo fica exatamente entre a terça menor e a maior, mas não existe no piano e não é usado no solfejo. Por que então é usado pelas pessoas? Certamente não é porque não sabiam afinar, mas porque possuem outro senso de entonação e afinação, pois seu uso é sistêmico e intencional” afirma. Segundo uma pesquisa de sua autoria, a terça neutra é uma preferência estética muito enraizada no nordeste, tudo indica que tem origem árabe. “É preciso reconhecer com urgência que temos vários sistemas musicais no Brasil, muitos deles incluindo a terça neutra, e tudo isso é muito pouco estudado. Quando pesquisamos, percebemos relações de poder, conceitos e preconceitos, pois para muitas pessoas essas músicas tradicionais são desafinadas, mal feitas, talvez por serem feitas por pessoas muitas vezes iletradas”, reflete.
Retomando a reflexão sobre o ensino, Angela usa como parâmetro a educação indígena, onde o índio aprende primeiro em sua língua materna, e depois aprende em português, criando um conhecimento bilíngue. “Seria interessante se, no ensino da música, cada região começasse com as músicas do lugar, ensinando sua própria afinação, repertório, estéticas; para só depois conhecer outras percepções. Assim, seria possível criar uma educação bimusical ou muticultural. É preciso reflexão dos professores para que haja espaço, e vivência e conhecimento da diversidade musical, e é preciso estreitar as relações entre educação musical e etnomusicalidade” finaliza.
Dentro da temática Educação Musical e Etnomusicologia, a professora doutora Cristiane Maria Galdino de Almeida, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) participou da segunda conferência do dia. Com subtema “Conhecimentos e Práticas que Atravessam a Formação de Professores de Música”, Cristiane questionou como a produção de conhecimentos têm atravessado a formação de professores de música no Brasil, e após citar vários autores que pesquisam tanto na área de educação musical, quanto em etnomusicologia, e em ambas, Cristiane mostrou dados das grades curriculares dos cursos de música das universidades federais presentes no nordeste, finalizando com a reflexão de que ainda damos pouco espaço – e talvez, pouca importância – para o saber tradicional na formação dos professores e professoras de música. “A professora Angela trouxe a reflexão de que os saberes transmitidos são, em sua maioria, eurocêntricos; e analisando nossas universidades nós podemos confirmar isso”, afirmou.
O EDUCAMUS 2018 é uma realização do Curso de Música da Universidade Federal do Cariri (UFCA), por meio do Centro de Estudos Musicais do Cariri (CEMUC) e do Núcleo de Estudos em Educação Musical (NEMUS), e do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Ensino de Artes (PROFARTES) e do eixo “Ensino de Música” do Programa de Educação Brasileira, ambos da Universidade Federal do Ceará (UFC). O VI Encontro de Educação Musical do Cariri – EDUCAMUS 2018 e o I Simpósio de Etnomusicologia do Cariri (SIMECA) seguem até sexta, dia 08.