Série Protagonismo Estudantil pauta Cultura em retorno após período eleitoral
Publicado em 10/11/2022. Atualizado em 17/11/2022 às 14h13
A Série Protagonismo Estudantil, lançada em abril deste ano, volta a publicar conteúdos nos canais oficiais da Universidade Federal do Cariri (UFCA) após o período eleitoral no Brasil, que durou de julho a outubro de 2022. A iniciativa traz conteúdos temáticos sobre de que forma os estudantes da UFCA podem enriquecer sua passagem pela graduação e sobre como aprofundar e aplicar os conhecimentos adquiridos durante seus respectivos cursos, além de relatos de quem já passou por diferentes iniciativas extracurriculares na Universidade. A série já tematizou quatro formas de mobilização de estudantes de graduação da UFCA: Centros Acadêmicos, Iniciação Científica, Extensão e Programas de Educação Tutorial. Agora, a série aborda o tema Cultura.
Até que se adquira certa familiaridade com o tema, nos dias atuais, “Cultura” é frequentemente vista como sinônimo de “Entretenimento” ou de “Arte”. Enquanto “Entretenimento” se relaciona à diversão ou à distração e “Arte”, a resultados de atividades humanas que despertam admiração (na ausência de uma definição mais consensual), Cultura remete a universos mais abrangentes. O significado original da palavra “Cultura” está ligado a atividades agrícolas (a palavra vem do latim colere, que quer dizer “cultivar”). Conforme o antropólogo José Luiz dos Santos, na edição dedicada à Cultura da coleção de livros “Primeiros Passos”, antigos pensadores romanos ampliaram o significado dado à “Cultura” até então e utilizaram o termo para fazer referência a certo refinamento pessoal. Assim, antes e ainda hoje, “Cultura” é usada, não raramente, como sinônimo de refinamento, sofisticação ou educação elaborada de uma pessoa. Daí deriva ainda o significado da palavra “culta”.
Apesar de a definição de Cultura não ser um tema já ultrapassado, alguns estudiosos, de forma genérica, têm certa inclinação a considerar Cultura como um conjunto de caracterizantes de um grupo humano – seja uma família, uma organização, um bairro, a população de uma cidade ou pessoas com algo em comum, como as pessoas surdas. Pelo fato de que há culturas que se destacam mais que outras, por diversas razões, o desconhecimento acerca de outras expressões culturais faz com que pessoas tenham, frequentemente, limitações em refletir sobre a vida cotidiana de forma crítica, plural e imaginativa – elementos fundamentais para uma sociabilidade elaborada e pacífica. Viver e celebrar as diversas culturas é, pois, importante para reinventar práticas, para dirimir preconceitos, para fomentar o lúdico e, enfim, para tornar a vida em coletivo possível e significativa.
Na Universidade Federal do Cariri (UFCA), a Cultura é um dos pilares da instituição – ao lado do Ensino, da Extensão e da Pesquisa. Significa dizer que esta dimensão é considerada fundamental para a formação discente na UFCA e para o desenvolvimento da instituição como um todo. Não por acaso, o Estatuto da UFCA prevê, no seu artigo 6º, que a Universidade busca “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo”. Além disso, a instituição é uma das poucas do Brasil, entre as demais universidades federais, a ter uma Pró-Reitoria de Cultura: a Procult/UFCA.
Na UFCA, diversos egressos e egressas de cursos que refletem sobre Cultura e/ou Arte – como Filosofia, Design, Jornalismo e Música – tornaram-se docentes da instituição. Também há casos de pessoas que já desenvolviam atividades ligadas a esses escopos que ingressaram na UFCA posteriormente. É o caso da atriz Cleiviane Vasconcelos, servidora lotada na Procult/UFCA e, hoje, jornalista formada na instituição. Cleiviane, à época já formada em Artes Cênicas pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), ingressou na UFCA como servidora em outubro de 2015, para o cargo de Assistente em Administração. Lotada na Procult/UFCA, Cleiviane assumiu o Núcleo de Produção Cultural do setor: “Então, eu já comecei nessa época a interagir com os projetos [de Cultura] aqui da Universidade”, conta. A graduação em Jornalismo começou cerca de um ano depois, em 2017.
Conforme Cleiviane, após seu ingresso no curso de Jornalismo, o professor do Instituto Interdisciplinar de Sociedade, Cultura e Artes (IIsca/UFCA), Márcio Mattos, que atua no curso de Música da UFCA, propôs a montagem, na Universidade, de um espetáculo cênico-musical infantil, “A Lenda do Beija-Flor” – convidando a servidora e também discente a participar da iniciativa. Por sua atuação como servidora, Cleiviane não pôde ser bolsista remunerada do projeto, mas participou como voluntária, exercendo a função de direção teatral: “Eu participei como membra voluntária desse projeto, desde a concepção do espetáculo até as últimas apresentações que a gente fez, antes de começar a pandemia [de covid-19]”, recorda.
A Lenda do Beija Flor é uma realização do Laboratório Cênico na UFCA, vinculado ao grupo de Pesquisa da UFCA “Centro de Estudos Musicais do Cariri” (Cemuc). Criado em 2017, o LabCênico tem o objetivo de experimentar a prática do canto na construção das cenas teatrais. O espetáculo foi formalizado como projeto de Cultura da UFCA, proposto pela comunidade acadêmica (ver Bolsas de Cultura) – o que permitiu que a iniciativa pudesse conceder bolsas a estudantes de graduação da UFCA. É possível assistir a uma apresentação completa do espetáculo na Videoteca do Curso de Música da UFCA, no YouTube.
Tempos depois de A Lenda do Beija Flor, Cleiviane propôs sua própria iniciativa: montar o clássico de Shakespeare Sonho de Uma Noite de Verão, cuja história foi adaptada para a linguagem de cordel pelo também servidor da UFCA, Paulo Anaximandro, e musicalizada pelo professor Márcio Mattos. Sonho de Uma Noite de Verão também é uma realização do LabCênico: “Eu propus o projeto e, dessa vez, o convite ao professor Márcio Mattos foi meu. E aí a gente montou o espetáculo. Eu participei como estudante mesmo”, disse.
De acordo com Cleiviane, a iniciativa, ao ser selecionada em um edital da Procult/UFCA (ver Bolsas de Cultura), recebeu o direito de ofertar bolsas para estudantes da UFCA: “Selecionamos dois bolsistas para desenvolverem esse projeto. Todo mundo foi certificado. A gente chegou a desenvolver outras atividades, inclusive fora da UFCA. Promovemos oficinas de teatro, fizemos apresentações e também parcerias com outros projetos [culturais], como o grupo [de Teatro] Carroça de Mamulengos”, conta.
Conforme Cleiviane, a Cultura e a Arte podem contribuir para que as pessoas que as vivenciam tenham uma vida mais leve e consigam encontrar soluções criativas para lidar com questões do dia a dia de formas mais sensíveis: “Em muitos dos estudantes que participaram desses projetos, eu pude perceber certa evolução, no sentido de se expor mais para a vida, de entender que se expor não é ruim ou passar ridículo, mas sim aproveitar mais as oportunidades que a vida dá de viver, de ser feliz, de sorrir, de fazer piadas, de ser motivo de piada e de rir com isso”, enumera. A servidora pontua ainda que viver a Cultura e a Arte não depende de perder a timidez, um fator geralmente alegado por pessoas para se distanciarem desse tipo de iniciativa: “As pessoas acham que quem é artista não é tímido. Nós somos sim!”, disse.
Hoje, Cleiviane é mestranda em Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Bolsas de Cultura
Na UFCA, as iniciativas de Cultura se dividem em duas modalidades: institucionais e da comunidade acadêmica.
As iniciativas institucionais consistem em programas e projetos de Cultura idealizados pela própria Universidade – renovados, a cada ano, por meio de editais da Procult/UFCA. São exemplos de iniciativas institucionais os programas “Cultura do Movimento”, “Birô Cariri” e “Música e Educação”; e os projetos “Circulô”, “Artes Híbridas”, “Ciclos” e “Nave”. A Procult/UFCA mantém uma página, no Portal da UFCA, com mais informações sobre cada um dos programas e projetos de Cultura na Universidade.
Para citar um exemplo, o programa institucional “Música e Educação” é uma iniciativa guarda-chuva que busca promover a formação em Música por meio de grupos musicais – como o Coral da UFCA, a Orquestra da UFCA e a Escola de Música da UFCA (Emuc/UFCA). Cada um desses grupos são projetos do programa institucional maior.
Todos os anos, a Procult/UFCA lança um edital geral, normalmente no primeiro período letivo do ano, oferecendo bolsas para cada uma das iniciativas institucionais. No edital geral lançado em abril de 2022, foram ofertadas 73 bolsas, para atuação tanto nos programas e projetos institucionais da Procult/UFCA quanto nos próprios subsetores da Pró-Reitoria.
Já as iniciativas da comunidade acadêmica são proposições culturais idealizadas por qualquer pessoa com vínculo com a UFCA. Assim, um/a discente ou um/a servidor/a da UFCA pode propor que seja desenvolvida uma iniciativa cultural de sua concepção, desde que a coordenação esteja a cargo de um/a docente da Universidade.
Anualmente, a Procult/UFCA lança editais gerais de seleção dos programas e projetos de iniciativa da comunidade acadêmica que poderão oferecer bolsas para o desenvolvimento de suas atividades. Depois de selecionadas pelo edital geral, as iniciativas podem, cada uma, lançar suas próprias seleções para bolsistas – que, ao serem selecionados, podem dar início às atividades das suas respectivas ações.
“Eu me fascinei pelo instrumento e acho que também já tinha isso na minha cabeça”
Outro caso de pessoas que já lidavam com Cultura e Arte antes de ingressarem na UFCA é o da professora de Música Edna Pinheiro. Edna já trazia experiência com instrumentos de sopro, adquirida desde a adolescência, quando ingressou na escola de Música Lira Musical, da Organização Não-Governamental Sociedade Artística Musical Desembargador Pedro Regnoberto Duarte (Samdpred). Com sede em Barbalha, a ONG é reconhecida como um dos 240 Pontos de Cultura do Ceará: entidades apoiadas financeira e institucionalmente, pelo governo federal, para desenvolverem ações socioculturais em suas comunidades. Além da Lira Musical, a Samdpred é responsável pela banda de Música Batutas do Rosário e pela Orquestra de frevo Frevioca dos Batutas.
Edna ingressou na Lira Musical aos 12 anos, após assistir a uma apresentação da Batutas do Rosário, durante a tradicional Festa de Santo Antônio de Barbalha – também conhecida como Festa do Pau da Bandeira: “Há um desfile folclórico pela manhã [nos dias de festejos], no qual desfilam bandas de Música, grupos de Reisado, bandas Cabaçais… E eu vi a banda de Música [Batutas do Rosário]. Aí eu me fascinei pelo instrumento e acho que também já tinha isso [de aprender a tocar] na minha cabeça”, recorda. Edna relata que ingressou na Escola de Música da ONG pouco depois, no segundo semestre de 2005. No ano seguinte, ela ingressou na banda e, em 2009, passou a dar aulas na escolhinha que a formou musicalmente. A Lira Musical oferece, para crianças e adolescentes, aulas de canto e de instrumentos variados, como os de sopro e os de percussão.
Assim que a Universidade Federal do Ceará (UFC) anunciou a abertura de um curso de Educação Musical no seu então campus Cariri, em 2010, Edna já vislumbrava ingressar na instituição. Seu ingresso efetivo ocorreu em 2013, no curso de Licenciatura em Música da UFCA – àquela altura já desmembrada da UFC. Ainda no primeiro ano de Universidade, Edna ingressou em um projeto de Cultura (nascido ainda nos tempos de UFC, em 2012) que existe até hoje: o Kariri Sax. O projeto, além de aprofundar a prática instrumental coletiva (mantém um quinteto de saxofonistas), trabalha em pesquisa musical e de repertório e, também, na formação de plateias. Inicialmente, Edna atuava assistindo ao grupo, realizando pesquisas e apoiando os estudantes de Música da UFCA que escolhiam o saxofone como instrumento, mas que ainda não tinham prática: “No primeiro ano, eu consegui uma bolsa. E aí era para dar aula, dar um suporte ao pessoal que estava ingressando na turma de Saxofone. Eu conciliei a experiência que eu já tinha antes da UFCA com o desenvolvimento que eu ia adquirindo durante as aulas [da Universidade]”, disse.
No Kariri Sax, Edna teve uma vivência diferente da experimentada na Batutas do Rosário, pelo fato de o primeiro ser um grupo menor, com cinco saxofonistas acompanhados de percussão: “Durante esse primeiro ano que eu tive contato com eles, tanto fui aprendendo a forma como eles trabalhavam em grupo (porque eu acompanhava os ensaios do grupo) quanto fui desenvolvendo a minha parte de docência, de dar aulas – agora em outro ambiente, porque é diferente dar aula para crianças, em um espaço, e dar aulas na Universidade”, avalia. No ano seguinte (2014), Edna passou a efetivamente tocar no Kariri Sax, tornando-se a primeira mulher do quinteto: “Foi bem tranquilo. Lá na banda de Música [Batutas do Rosário], também só eram homens e eu também fui a primeira mulher a tocar naquele grupo. Então, eu já tinha esse jogo de cintura de trabalhar só com homens”, disse.
Sobre o volume de mulheres instrumentistas – ainda inferior ao de homens, não apenas no Cariri –, Edna acredita que o contexto regional vem mudando: “Já mudou bastante. No tempo que eu iniciei, eu tinha pouco acesso à internet. Então, de sax, eu não conhecia ninguém [mulher instrumentista]. Com o tempo e também com as pesquisas na Universidade, eu conheci outras mulheres que tocavam instrumentos de sopro fora saxofone, clarinete e flauta transversal – que são os mais comuns de mulher tocar. Conheci mulheres que tocavam outros instrumentos de metais, como trompete, trombone e tuba”, relata.
Na UFCA, Edna participou ainda de outros grupos musicais, como a Orquestra da UFCA e a Big Band Kariri Jazz. Segundo Edna, foi a partir dessas vivências que ela e outras três colegas de curso formaram um quarteto só com mulheres instrumentistas, o Ela Sax: “Então foi uma inovação que a gente fez, pegando as experiências adquiridas durante o Kariri Sax, a Orquestra, a Big Band… Dessas vivências na Universidade, a gente conseguiu construir um grupo que até hoje a gente tem, de forma independente da Universidade, mesmo após as quatro [integrantes] se formarem”, explica.
Durante o período na UFCA como estudante, Edna continuou suas atividades como professora na Escola Lira Musical, contando a seus alunos de lá sobre as suas experiências na Universidade: “Algumas vezes até levei o Ela Sax para conversar com eles, levei alguns colegas, para mostrar como é a experiência de participar desses grupos. Hoje, desse processo de formação, uns três alunos [da Lira Musical] já chegaram a vir fazer o curso de Música [da UFCA], por meio da minha experiência, do que eu levava”, recorda.
Edna se formou em Música na UFCA em 2017 e, em 2019, ela retornou à instituição como professora substituta. Para o futuro, Edna pensa em continuar a carreira acadêmica: “Estou focada na ONG e estou pensando em um Mestrado. Estou estudando para isso”, finaliza.
“A UFCA foi um ponto de virada na minha vida. Não tem como negar”
A hoje muralista Jéssyca Santos, estudante do curso de Design da UFCA desde 2018, teve sua primeira experiência com arte urbana já como discente da Universidade, por meio do bordado de paredes (técnica que utiliza linhas e pregos para evidenciar, em muros, figuras semelhantes a bordados feitos em tecidos). A vivência com a técnica se desenvolveu a partir de um convite da professora do curso de Design da UFCA, Cleo do Vale, uma celebrada designer multidisciplinar. Convidada pela professora, Jéssyca ingressou no Wà Coletivo (@wacoletivo): um grupo de mulheres artistas que busca ressignificar e levar diversas técnicas artesanais têxteis para o espaço urbano.
O coletivo enviou representantes, entre elas, Jéssyca, para participar da 5ª edição do Festival Concreto – Festival Internacional de Arte Urbana, realizado em outubro de 2018, em Fortaleza: “A primeira vez que eu viajei para um festival de Arte Urbana foi por meio do auxílio de viagem da UFCA [auxílio financeiro a eventos, oferecido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis]. A UFCA deu esse suporte e aí passamos uma semana dando uma oficina de bordado urbano no Centro Dragão do Mar. Depois desse festival, foi que eu comecei a pesquisar e a estudar murais”, recorda.
Desde então, Jéssyca, paraibana de Campina Grande-PB, já acumula feitos expressivos como muralista, como assinar o grafite na fachada da Casa da Mulher Cearense no Cariri, instalada em Juazeiro do Norte. A Casa da Mulher Cearense é um equipamento do governo do estado voltado ao atendimento humanizado de mulheres em situação de violência.
Além disso, em 2022, Jéssyca foi selecionada pelo Festival Além da Rua – Festival Internacional de Arte Urbana, entre mais de 100 artistas inscritos, para criar murais para reservatórios da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece) – em Fortaleza e também no distrito do Pecém, na cidade de São Gonçalo do Amarante (litoral oeste do Ceará): “Tiveram inúmeros inscritos do Brasil e de fora do Brasil também. Tive a oportunidade de representar o Cariri nesse festival, que é internacional. Então, levar um pouquinho de nós para uma cidade muito bem vista, que é Fortaleza, foi uma grande oportunidade”, celebra. O mural de Jéssyca está em um reservatório no bairro Jardim América, na capital cearense.
Além do projeto com o Wà coletivo, Jéssyca tornou-se bolsista de Cultura da UFCA em duas oportunidades: na própria Procult e também na Revista Bárbaras. A Bárbaras é um projeto vinculado às Pró-Reitorias de Cultura e de Extensão (Proex/UFCA) que utiliza ferramentas do Jornalismo e da Educação para pautar histórias de mulheres, igualdade de gênero e feminismos: “No meu segundo ano de curso, eu iniciei como bolsista na Revista Bárbaras, como designer. Foi uma experiência engrandecedora, porque, além de trabalhar em uma equipe de mulheres, de diversos pensamentos e personalidades, pude tratar e ver a história de muitas mulheres que vêm influenciando a vida de outras. É inspirador e fortalecedor ver mulheres não só na Cultura, mas também em outras áreas, que acabam trazendo mais experiência para a gente”, resume.
Jéssyca também pontua que a experiência na Revista Bárbaras foi importante para que ela continuasse no curso de Design em meio às incertezas da pandemia de covid-19: “Foi um período de muitas dificuldades, né? Nós tínhamos muitas dúvidas se continuaríamos no curso ou não, se pelo EaD… Enfim, adversidades. E estar com a Bárbaras me fez me fincar e ter essa percepção de continuidade”, conta a estudante, que passou o período de pandemia na cidade natal e já retornou ao Cariri: “Eu vim [para o Cariri, em 2018] estudar. Eu pretendo ficar aqui agora. O Cariri me acolheu de uma maneira muito especial e eu me sinto parte [da região]. Eu sempre digo que eu sou uma sementinha do Cariri”, brinca.
A estudante compartilha que até mesmo a sua visão de Cultura mudou com a experiência na UFCA: “Totalmente, porque eu não teria conseguido alcançar tantas coisas, tantos objetivos, tantos espaços, tantos lugares… E também não teria me entendido como profissional: designer, ilustradora e artista. A UFCA foi o ponto de virada na minha vida. Isso aí não tem como negar”.
“As experiências extracurriculares são muito importantes para o processo formativo e de qualificação também”
A Cultura também é capaz de propiciar autodescobertas importantes para o indivíduo, a partir de novos olhares e reflexões que as práticas culturais costumam suscitar. Felipe Vieira já vinha de uma experiência no curso de Direito, em uma instituição particular de Ensino Superior, quando ingressou no curso de Jornalismo da então UFC Campus Cariri, hoje UFCA, em 2010: “Eu tinha me desencantado com o Direito e resolvi tentar Jornalismo. Pra mim, [na época], universidade era diploma e profissão. Eu tinha que só aprender as coisas que eu iria executar operacionalmente, em um emprego que aquele curso iria me abrir, me direcionar. Então, [foi importante] perceber que estar na universidade não é só o conteúdo ou só aquilo que é passado dentro da sala de aula. As experiências extracurriculares são muito importantes para o processo formativo e de qualificação também”.
Segundo Felipe, no meio do curso, ele começou a se aproximar do professor do Instituto Interdisciplinar de Sociedade, Cultura e Artes da UFCA (IIsca/UFCA), Tiago Coutinho, que então coordenava dois importantes projetos na Universidade: o Percursos Urbanos no Cariri e o Narrativas em Volta do Fogo. O Percursos Urbanos surgiu em Fortaleza, em 2002, por meio da ONG Mediação de Saberes, passando a integrar a programação do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) em 2004. A iniciativa – que chegou ao Cariri em 2011, como um projeto de Extensão da UFC Cariri – consistia em fazer trajetos culturais não-turísticos, em um ônibus equipado com microfone e caixa de som, para uma reflexão coletiva sobre determinados espaços, sob os pilares da memória social, do patrimônio material e imaterial, da política e da transformação das tradições. Já o Narrativas em Volta do Fogo, também desenvolvido em parceria com o CCBNB, consistia em ouvir as histórias de uma personalidade da Cultura caririense em torno de uma fogueira, acesa em local público.
“A gente formou, na época, um coletivo informal chamado ‘Histórias e Andanças’. Era um coletivo de amizades, independente da Universidade. A gente se encontrava porque o Tiago Coutinho era o proponente tanto do Percursos Urbanos quanto do Narrativas. Então, a gente fez um coletivo com todo mundo que participava [das iniciativas] e a gente conseguia fazer trocas, com base nas experiências de ambos os projetos. Formalmente, eu fazia parte do Narrativas em Volta do Fogo, como bolsista”, relata.
Conforme Felipe, o Narrativas em Volta do Fogo buscava estimular a apropriação de como a Cultura é perpassada pela oralidade na região do Cariri: “E aí a gente pegava personagens específicos, [importantes para] o desenvolvimento cultural da região caririense, como, por exemplo, a torcedora mais velha do time do Ceará [Dona Lilou, falecida em abril de 2022, aos 103 anos, no Crato], que morava por aqui. A gente fez entrevista com a professora Fanka [Santos], da Biblioteconomia, falando um pouco sobre espiritualidade e a construção da Aldeia da Luz, da qual ela é proponente. A gente fez entrevistas com vários personagens que fazem parte dessa história do Cariri cearense e que, pelo contexto oral, de todas essas narrativas, a gente ainda não tinha registros até então. Então, a perspectiva do Narrativas em Volta do Fogo era excepcionalmente isso: buscava aproximar o contato com essa oralidade”, disse.
Felipe explica que a ideia do fogo foi inspirada nas fogueiras de sociedades antigas, acesas para o compartilhamento de conhecimentos: “Então, aquele detentor do conhecimento fazia rodas em volta da fogueira para repassar esse conhecimento por meio da oralidade. Então, a gente desenvolvia toda essa estética do fogo em lugares públicos, aberto à comunidade, convidando essas personagens do desenvolvimento cultural do Cariri cearense para perpassar um pouco desse conhecimento. A gente fazia o registro de tudo, com vídeos e entrevistas”, relata. Para viabilizar a fogueira em espaços públicos, o projeto firmava parcerias com órgãos municipais, como as Secretarias do Meio-Ambiente do Crato e de Juazeiro do Norte. “Então, a gente sempre tirava as licenças antes”.
Entre as muitas personagens ouvidas pelo projeto – como o multiartista João do Crato e a advogada Socorro Luna, a “solteirona de Barbalha” –, uma das edições do Narrativas marcou Felipe especialmente: a com o xilógrafo juazeirense Stênio Diniz, um dos principais artistas em xilogravura do Brasil, tendo participado de Bienais e diversas exposições nacionais e internacionais. O Narrativas com Stênio Diniz foi realizado no espaço da ONG Beatos, no Crato. O espaço foi fundado pela atriz, pesquisadora, produtora, arte-educadora, radialista e gestora cultural, Dane de Jade, com o objetivo de melhorar e reavivar as tradições populares dos povos e do meio ambiente: “A gente conseguiu estabelecer um vínculo com ela e ela cedeu o espaço, lá no Crato. E a gente fez toda uma exposição da obra do Stênio, das xilogravuras que ele produziu. Ele é um artista que foi muito reconhecido na Alemanha, fazendo xilogravuras e desenvolvendo artes para crianças. Foi um evento muito impactante para mim porque, além da finalização do ciclo, foi também o início do vínculo da ONG Beatos, que posteriormente (até o ano passado) eu fazia parte da gestão do espaço da ONG”, recorda.
Pouco depois dessa edição, Felipe se deparou com a oportunidade de morar em Curitiba-PR, o que o fez trancar o curso de Jornalismo no sétimo semestre e ir morar no sul do país. Lá, Felipe acabou ingressando no curso de Psicologia, cursando sua quase totalidade em Curitiba.
Com o retorno da família ao Ceará, Felipe também decidiu voltar e, assim, concluiu os estudos em uma instituição particular do Cariri, há menos de um ano: “Então, foi a partir desses vínculos, desses contatos, que eu vi que eu tinha esse feeling para a Psicologia, entende? Para o contato, para uma abertura, para a escuta qualificada. Então, foi todo esse aspecto e também o de perceber a amplitude que é o impacto sociocultural dentro do desenvolvimento do bem-estar e da qualidade de vida de um indivíduo dentro da sociedade”, finaliza.
“Eu entendia que, como Universidade, nós precisávamos também crescer nesse braço da formação”
Desenvolver iniciativas culturais é mais comum entre cursos de áreas ligadas às Ciências Humanas, mas qualquer profissional pode enriquecer suas práticas no trabalho a partir da fruição cultural. Foi o caso do médico Raphael Dantas, formado na UFCA, em 2019. Raphael foi proponente do projeto de Cultura de iniciativa da comunidade acadêmica “Tenda do Conto do Cariri” (2016) – formalizado via edital da Procult/UFCA, no eixo temático Entretenimento e Convivência (voltado a ações que visem promover integração e convivência na Universidade, por meio de atividades lúdicas e de entretenimento).
De acordo com Raphael, a ideia de propor um projeto de Cultura veio com a constatação de que, na Faculdade de Medicina (Famed/UFCA), o pilar da Cultura ainda se desenvolvia de maneira muito incipiente: “Eu entendia que, como Universidade, nós precisávamos também crescer nesse braço da formação, que é a Cultura. Foi nesse contexto que eu senti o desejo de desenvolver um projeto de Cultura dentro da UFCA”.
As atividades da Tenda do Conto eram desenvolvidas no Centro de Referência do Idoso (CRI), em Juazeiro de Norte, com um grupo de até 10 idosos, atendidos pelo CRI. Conforme Raphael, a proposta era simples: cada idoso(a) era convidado(a) a levar, para o dia de atividades do projeto, algum objeto físico com valor afetivo, que tivesse significado e importância para ele(a). A partir daí, cada um(a) compartilhava as experiências vividas em torno do objeto levado: “A Tenda do Conto do Cariri foi uma adaptação da experiência relatada na dissertação de mestrado ‘Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem-viver’, da enfermeira potiguar Maria Jacqueline Abrantes Gadelha, que se utilizava de Arte e Cultura na produção de saúde”, explica Raphael.
O projeto objetivava fazer com que os discentes da UFCA desenvolvessem habilidades de escuta e se sensibilizassem quanto à importância da acolhida da história de vida dos idosos atendidos, além de promover entretenimento, propiciar a construção de conhecimento a partir da troca de experiências e promover a saúde holística dos participantes.
Para Raphael, sua participação em projetos de Cultura durante a graduação (que, em si, já pressupõe uma extensa carga horária, dividida em seis anos de formação) foi um investimento importante para complementar os conteúdos técnicos do curso, essencialmente voltados ao conhecimento de doenças, de manobras cirúrgicas e de prescrição de fármacos: “Embora aprender tudo isso tenha sua importância na terapêutica que se há de oferecer às pessoas que lhes procurarem (pacientes), apenas isso não atende aos conceitos universais de promoção da saúde integral do ser humano, enquanto ser físico, psicológico e social, além de espiritual e cultural”, acredita.
Para Raphael, é fundamental que profissionais de Medicina desenvolvam continuamente sua sensibilidade, para diagnósticos adequados aos três princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS): universalidade, equidade e integralidade da atenção à Saúde, a partir do entendimento e acolhimento igualitário que deve ser dado a todos os indivíduos e a cada um(a), em particular, com respeito, sem discriminação e valorizando cada um(a) em sua integralidade, como ser biopsicossocial, espiritual e cultural: “Não raramente, percebe-se a perda da sensibilidade do profissional médico para a importância da escuta dos ‘pacientes’. Esquece-se, pois, que a observação clínica bem realizada, composta inicialmente pelo ato de escutar, é a base fundamental dos diagnósticos anatômicos, funcionais e etiológicos e, consequentemente, de um atendimento humanizado e de um planejamento terapêutico racional e científico, baseado nas necessidades integrais dos ‘pacientes’”.
Serviço
Pró-Reitoria de Cultura
procult@ufca.edu.br